Estudos brasileiros destacam importância do desempenho escolar na prevenção de transtornos de conduta e comportamentos criminosos

(Pelotas, Brasil) – Estudos inéditos do Centro de Pesquisas em Desenvolvimento Humano e Violência (DOVE) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) lançam uma nova luz sobre o impacto da educação na redução de índices de criminalidade. As pesquisas se debruçam sobre a relação entre o desempenho escolar e o desenvolvimento de transtornos de conduta e comportamentos criminosos em duas gerações nascidas na cidade de Pelotas (RS), no Sul do Brasil, com implicações importantes para a intervenção e prevenção precoces.

No artigo Educational performance and conduct problem trajectories from childhood to adolescence: Observational and genetic associations in a Brazilian birth cohort, publicado no Journal of Child Psychology & Psychiatrics Advances, os pesquisadores analisaram dados de um estudo longitudinal que acompanhou 3469 bebês nascidos em Pelotas em 2004 até que completassem 15 anos de idade, cruzando informações sobre a reprovação de ano escolar até os onze anos com a ocorrência de transtornos de conduta aos 4, 6, 11 e 15 anos de idade dos participantes. Esse universo de mais de 3,4 mil pessoas foi, então, dividido em quatro grupos, de acordo com o surgimento e a duração dos transtornos de conduta: 1) limitados à infância; 2) iniciados na infância e persistentes até a adolescência; 3) limitados à adolescência; e 4) baixa ocorrência de transtornos. Exemplos mais comuns de transtornos de conduta infantil foram a agressividade e brigas, furtos e uso de mentiras.

Ao mesmo tempo que mostra a reprovação escolar associada a aumento de transtornos de conduta em todos os grupos de ocorrência, o estudo evidencia que esse aumento é ainda maior para os transtornos que se instalam na infância e persistem até a adolescência. Para se ter uma ideia, as crianças que repetiram o ano pelo menos uma vez até os onze anos tiveram três vezes mais chances de desenvolver transtornos de conduta de início precoce e persistentes do que aquelas que não tiveram reprovações de ano.

“Esses achados destacam a importância de intervenções precoces para prevenir a repetência e apoiar o bom desempenho acadêmico, o que, por sua vez, pode reduzir o risco de transtornos de conduta em crianças e adolescentes”, diz a epidemiologista e autora principal do estudo, Thais Martins Silva. “Observando os efeitos negativos da repetência, o ideal seria investir em ações e medidas de apoio que evitem que o aluno chegue a essa situação”, completa.

Em outra pesquisa, publicada no Journal of Developmental and Life-Course Criminology, os dados mostram que a performance escolar está relacionada ao envolvimento em crimes no início da vida adulta. O estudo School Performance and Young Adult Crime in a Brazilian Birth Cohort analisou uma coorte de nascidos em Pelotas em 1993 e descobriu que aqueles tiveram repetições de ano escolar eram mais propensos a cometer crimes na idade adulta, mesmo após o controle do efeito de fatores socioeconômicos, demográficos, comportamentos de risco na adolescência e características familiares.

Os pesquisadores coletaram dados dos 3584 participantes sobre o número de reprovações de ano escolar até os 18 anos e sobre o envolvimento em crimes, violentos ou não-violentos aos 22 anos. Entre os crimes violentos mais frequentes, estavam agressão física a terceiros, roubo e carregar ou usar armas, e, entre crimes não-violentos mais frequentes, tráfico de drogas, práticas de vandalismo e furto a lojas.

Os resultados apontam que os jovens que repetiram três ou mais vezes o ano escolar tiveram uma chance 2,5 vezes maior de cometer crimes do que os que não repetiram o ano. Entretanto, um aspecto relevante dos achados é que, quando os jovens completaram o ensino médio até os 22 anos, a chance de cometer crimes caiu significamente, independentemente do número de reprovações. Por exemplo, essa redução foi de 50% para crimes violentos e de 70% para crimes não-violentos entre os que completaram o ensino médio em comparação com os que não completaram o currículo escolar.

Segundo os autores, um dos prováveis mecanismos pelo qual a repetência escolar afeta o comportamento está ligado ao impacto sobre a autoestima e a ruptura de vínculo com a escola. O desgaste emocional envolve não só a perda da convivência com os pares de mesma idade, mas possivelmente o enfrentamento de rótulos atribuídos aos repetentes em relação às expectativas sociais de desempenho para a idade. Além disso, a distorção de idade para a série quebra laços com os colegas que progrediram, e uma mudança de relações sociais pode levar à procura por pares mais velhos e adeptos de comportamentos antissociais como forma de superar as dificuldades.

Os pesquisadores afirmam que os resultados destacam a importância de políticas públicas voltadas para a educação. “Investir em educação pode ter um efeito cascata na vida dos indivíduos, incluindo a redução da criminalidade”, afirma a epidemiologista e líder do estudo, Rafaela Martins. “Precisamos oferecer oportunidades educacionais de qualidade para todas as faixas etárias. A educação é uma ferramenta poderosa na prevenção do crime e no fortalecimento das comunidades”, acrescenta ela.

“Como organização comprometida com o estudo de meios de prevenir a violência baseados em evidências, acreditamos que o investimento em educação, desde a pré-escola, incluindo infraestrutura, valorização e especialização dos professores, é fundamental para o bem-estar das pessoas e o progresso da sociedade”, acrescenta Joseph Murray, diretor do DOVE. “Este estudo nos lembra da importância de investir na educação e apoiar iniciativas que possam ajudar a melhorar a vida das pessoas”, conclui.

 

Referências

https://link.springer.com/article/10.1007/s40865-022-00214-x

https://acamh.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/jcv2.12105

 

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